Uma catástrofe é uma série de pequenos erros (autor desconhecido)
Festa de muita pompa e ostentação, como é muito caro aos franchucos; na "Opéra de Paris", lugar daqueles chiques e extremamente quentes (no sentido real, de temperatura mesmo) com cara de filme sobre a corte do Luis XIV. Eu, pobre mortal polytechnicien, achei que seria de bom grado portar minhas lentes de contato. Lêdo e ivo engano, considerando que eu deveria ficar com elas por umas 10 horas e que no meio da noite eu já não enxergava mais nada.
Como as coisas aqui acabam relativamente cedo, lá pelas 3 e pouco decidimos voltar pra escola. Pequeno problema: o trem não costuma funcionar durante a madrugada. Parte do grupo se separou, 3 embarcaram num taxi encontrado meio por milagre. Entre a possibilidade de esperar por horas por um outro taxi ou andar até o metrô e esperar que ele abrisse, fiquei com a segunda, claro. Nos dividimos outra vez e segui com dois chilenos e um marroquino.
É preciso dizer, no entanto, que o traje dos alunos é o famigerado GU, o nosso uniforme militar, mesmo para os estrangeiros (e portanto não-militares por definição). Durante a festa fica razoavelmente simpático aquele amontoado de botões dourados, tirando que encontrar alguém se torna uma tarefa bem mais complexa (ainda mais sem enxergar à distância), mas a grande graça vem do trajeto até o metrô.
Allons enfants de la patrie, le jour de gloire est arrivé !
Contre nous de la tyrannie
-David, eles estão seguindo a gente
L’étendard sanglant s’est levé, (bis)
-Não, acho que não.
Entendez-vous dans nos campagnes
-Olha bem pra trás.
Mugir ces féroces soldats
-Não, aqueles eram negros, eles continuam lá no ponto.
Ils viennent jusque dans vos bras, égorgez vos fils, vos compagnes!
-Desculpa, é o instinto paulistano, de vez em quando a gente se engana. Em todo caso, vamos virar à direita. Se eu fosse carioca, não errava jamais.
Não creio que eles tenham chegado até o “Aux armes, citoyens”. Entretanto, na tal rua à direita, o marroquino que estava conosco parou pra comer um kebab. Ambiente sinistro, pessoas mal encaradas, e o magrebino achando tudo aquilo normal. Os sudacas, como de costume, se cagando. Um francês puxa assunto comigo e com o Sergio. Assunto daqueles delicadíssimos, ‘Você pensa que a França é um país de loucos? Que aqui a gente luta por nada?'. Enquanto eu escolhia bem minhas palavras, vi que um pessoal no fundo revirava um cesto de lixo e pegava umas garrafas. “Brasileiro é morto em Paris a garrafadas por usar uniforme de escola. ‘Ele odiava militares’, diz a familia”.
A conversa se acalmou, chegou um amigo do francês que era neto de chilenos, andamos um pouco mais sob a chuva e logo já eram mais de cinco da manhã e pudemos entrar no metrô.
Não sei como terminar o texto. O fato é que somos burguesinhos idiotas que vamos ter mais oportunidades que a grande massa francesa, e pra piorar são eles mesmos que estão pagando por isso. Obviamente não é pela nossa capacidade, um francês de nivel médio que bomba o exame de admissão da X sabe trocentas vezes mais matemática e física que eu, tampouco pela contribuição cultural. Eles querem raízes no exterior, querem alguém que defenda essa elite que dança valsa na opéra. E nós aceitamos o acordo, não posso negar.
Formez vos bataillons!
Marchons, marchons
Qu'un sang impur
abreuve nos sillons!
Um comentário:
Acho que agora entendo a expressao "sem comentários". Se vc for ver, o vestibular no Brasil também determina as chances da pessoa ser de classe média alta ou baixa... Entendo que os estudantes estejam protestando, mas por que eles estao quebrando as escolas? Como se estivessem num clip do The Wall? Nao sao eles mesmos que vao pagar?
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