segunda-feira, agosto 06, 2007

Terrinas

"Chovia em Paris, e não tínhamos guarda-chuva. Saímos do hotel nos esgueirando (Esgueirar-se: a arte de andar entre pingos de chuva ou sob marquises. Sua principal característica é que nunca dá certo.) Decidimos entrar no primeiro restaurante que aparecesse.

Chamava-se Oeuf à la Poche, numa clara referência ao seu tamanho. Estava vazio. Sentamo-nos, depois de sacudir a água na entrada, com aquele falso ar de habitués que deve nos acompanhar em qualquer lugar absolutamente estranho. Um cachorro veio nos examinar em silêncio e, satisfeito ou desapontado, voltou para o seu lugar perto do balcão. De trás do qual saiu um cabeludo com duas terrinas que colocou sobre a nossa mesa, silencioso como o seu cachorro. Uma terrina continha um patê pela metade. A outra era indecifrável. Dali a pouco, o cabeludo voltou com mais duas terrinas. Depois, mais duas. E mais duas!

Conseguimos identificar champignons, salames, rillettes e pouca coisa mais. Quando trouxe o pão, o cabeludo perguntou se queríamos vinho. Suspirei aliviado. Ele não nos odiava! Pedi um tinto. E como não aparecesse ninguém com um cardápio e eu é que não ia pedir explicações sobre que tipo de restaurante era aquele, afinal, atacamos as terrinas e o pão como quem não espera outra coisa.

Só de baguette foi um quilômetro, e não ficou terrina sobre terrina. Estávamos nos congratulando pela descoberta acidental do restaurante e tentando nos lembrar de quando tínhamos comido tanto e tão bem quando surgiu uma moça, um pouco menos feminina do que o cabeludo, e perguntou que prato quente iríamos querer, depois da entrada. TInham boeuf bourguignon, tinham...Pedimos cada um um prato quente, de pura timidez.

Estou recontando esta história sem qualquer proveito social que a redima por que mesmo? Talvez só para dizer que anos depois procuramos o "Oeuf à laPoche" e não o encontramos mais. Suas terrinas muito generosas ou, quem sabe, a melancolia do cachorro tinham derrotado a proposta. Ou talvez seja uma história inspiradora: não confunda os aperitivos que o destino lhe serve com a vida, cedo ou tarde aparecerá o prato quente. Sei lá.

E a chuva em Paris? Não parou. Choveu todos os dias, até que resolvemos tomar uma providência. Compramos guarda-chuva. Aí ela parou."

(Luis Fernando Verissimo)

Um comentário:

Anônimo disse...

Cara........ de onde veio isso?? PERFEITO!!!