segunda-feira, julho 17, 2006

A grande duvida existencial da minha vida é: eu sou atrapalhado ou eu simplesmente atraio pessoas atrapalhadas para o meu redor?

Os polytechniciens são, na visão dos franceses, cidadãos privilegiados. Alphas, para usar a nomenclatura do Huxley. No entanto, para que eles sejam conscientes das dificuldades enfrentadas pelas camadas baixas da população, todos devem efetuar um estagio "operario" de um mês. Essa idéia de viver um tempo como um gama me parecia meio inutil, mas era preciso encarar.

Arranjei um contato em Grenoble (perto da fronteira com a Suiça). Sem ajuda nenhuma da empresa, arranjei um albergue pra passaar o mês, comprei o bilhete de trem com antecedência. Tudo bonitinho e não remunerado.

Fui para la' ontem, para reconhecer o terreno, levar as tralhas (um mês de roupa é muito...), encontrar a empresa. Fiz tudo isso em meio a uma onda de calor brava...Aguentei um alemão meio bizarro que dividiu o quarto comigo essa noite, acordei cedo pra caralho. O prédio estava sem luz, nao dava pra abrir a janela, elétrica. Se virando nas trevas, lição 1.

Me vesti igual gente, perdi a chave do quarto. Passei 10 minutos procurando, achei; perdi a carteira. Praguejei. Rezei. Entrei em desespero. Pensei em olhar nas coisas do alemão. Achei.

Sai do quarto, o alemão veio atras: tinha perdido a bermuda. Corri do albergue pra nao perder o busão, nem tomei café. Desci no ponto errado, tive que correr até a estação de trem. Trem maldito atrasa 30 minutos. Chego na empresa um minuto antes do combinado, perfeito, estou sobrevivendo.

Olho para o portão, ninguém. Nada de guardinha para dizer "Bonjour, je suis le nouveau stagiaire". Entro na empresa. Encontro um cidadão, ele diz que o responsavel do meu estagio ainda nao tinha chegado. Espero o filha da puta por 30 minutos.

Quando ele chega, percebo um certo desconforto no ar...O fato é que ele nao tinha me dito o que eu ia fazer exatamente porque ele também não sabia...Fomos até o "atelier", não sei o nome exato disso em português; seria um galpão onde se produzem realmente as peças. Ninguém trabalhando. O chefe do lugar fala que nao tem nada mesmo pra fazer la', estão sem pedidos, nada de atividade.

O chefe sai comigo a tiracolo tentando achar um lugar onde eu pudesse trabalahr. "Bureau des études", ele propõe. Pergunta se eu sei mexer com AutoCad. "Não", respondo, lacônico. E lidar com plantas? "Também não". Mas não ensinam essas coisas na Polytechnique? "Olha, talvez no terceiro ano. Mas pra falar a verdade eu faço quimica la', então não rola".

Deve haver alguma lei que impede as pessoas de alegar que estudam quimica como legitima defesa em caso de trabalho chato. Deu certo, pelo menos. Continuamos andando, "Você sabe mexer com eletricidade?". Imagino a manchete daqui a algumas semanas, "Brasileiro causa explosão em industria francesa, 5 mortos. 'Ele não sabia nem o que é um fusivel', diz amigo".

O cidadão percebe que eu sou um inutil e despreparado. O chefe do departamento elétrico diz que um polytechnicien so' poderia trabalhar na diretoria, bla bla bla. Meu chefe pede para eu parar de seguir ele e se tranca numa sala com um outro cara. Espero mais um bocado...Ele sai, sobe umas escadas. Continuo esperando. Depois de muito, uma solução.

Entro no escritorio do M. Pereirá. "E se você fosse trabalhar com uns portugueses em Paris?"

Voilà, fui pra Grenoble à toa. Gastei os tubos em trem, reserva de albergue (não reembonsavel), trem local (comprei bilhetes para o resto da semana), para ouvir que tinha que voltar para casa. Enquanto ele explicava minha função, tirou uma lista de tarefas a serem feitas. "Você fala italiano?"

Me senti como naquelas propagandas de requalificação de pessoas no mercado, eu não tenho nenhum dos pré-requisitos. Não basta ser quase poliglota, saber uns rudimentos de fisica e quimica, ter feito historia da arte, ser um goleiro frustrado, as empresas sempre exigem coisas que não estão ao alcance.

O cara me ajudou a traduzir, me deu uma carona até o albergue, depois peguei meu trem ("você vai ter que pagar bem mais caro", anunciou, com um sorriso, a mocinha que trocava meu bilhete de retorno) e amanhã começo meu estagio linguistico de português.

"O pesadelo do outro é pior. Você, pelo menos, está em casa".

6 comentários:

Anônimo disse...

Buemba! Talvez eu não seja descoordenada!
Sob pressão eu consigo até andar que nem gente.
Hoje eu (sim, senhores, mesma coloquei a mão na massa) pra dar manutenção em conexões e válvulas, lavei um caminhão inteiro, subi e desci escadinhas industriais escorregadias. Tudo disfarçando bem minha falta de experiência e inaptidão heheh
Bem, na verdade eu estava com a impressão que eu estava com uma sorte absurda hoje. Tudo que eu tentei estava dando certo.

Pela teoria das senóides, tá explicado!

Débora Maria disse...

Puuuts, aquela vaguinha com o CAD acho que daria, hein? Será que Microstation do PCC serve pra alguma coisa? E quem falou a frase entre aspas? Requalificacao também é boa! Beijos

Anônimo disse...

Criança, criança.... me acabei de rir de tudo!!!! Mas que graça teria se não fosse dessa forma? Ou melhor... algum dia vc de fato acreditou que tudo daria certo de primeira?! Não se esqueça nunca que vc tb é um Faccini Santoro e, como tal, tem lá seus enroscos com o cara lá de cima que joga os dados e gargalha pra valer!!! No mais, respondendo o comentário aí em cima, a frase entre aspas é do único cara que caberia aqui... Verissimo... pq Pessoa nem rolava!! Beijo da sua irmã - te esperando em casa!!!

Caio disse...

Não posso negar que ri! :P De volta a boa fase, Bruno? :P

Anônimo disse...

ah e até certo ponto, concordo com a Dé!
Depois de tudo que eu passei aqui, acho que se tivessem me perguntado para maioria eu responderia que não, mas poderia tentar aprender. Que é o que eu tenho feito por aqui.

Tentaria tudo...
Menos PCC 2100/2101 e derivados!
Esse, sim, eu também fingiria que não sabia...

Anônimo disse...

Muiiito engraçado este texto! Não é possível que estas coisas realmente acontecem com você.