segunda-feira, abril 17, 2006

Repostando...

Quando a criatividade falta, postamos o velho texto do Verissimo...

Versões

Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido. Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número ("Unzinho e eu ganhava a sena acumulada"), topado aquele emprego, dito "sim", dito "não" ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste...Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz -aliás, o nome do bar é "Imaginário" - sentou um cara do meu lado direito e se apresentou.
-Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo.
E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo. Por quê? Sua vida não foi melhor que a minha?
-Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia...
-Eu sei, eu sei...-disse alguém sentado do outro lado dele. Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:
-Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.
-Como é que você sabe?
-Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um "herói", me atirei. Levei um chute na cabeça. Não pude mais ser goleiro. Não pude mais ser nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INPS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante...
-Ele chutaria para fora.
Quem falou foi outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou.
-Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença. Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio...
-E o que aconteceu?- perguntamos os três, em uníssono.
-Lembra aquele avião da Varig que caiu na chegada em Paris?
-Você...
-Morri com 28 anos.
Bem que tínhamos notado a sua palidez.
-Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo...
-Nem sair do gol naquela bola...
-E ter levado o chute na cabeça...
-Foi melhor- continuei - ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado...
-Você deve estar brincando - disse alguém sentado à minha esquerda.
Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.
-Quem é você?
-Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.
Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.
-Quem é você - perguntei?
-Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.
-E?
Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão voltado para baixo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Massss..... não teria outro qualquer dele? Eu sei o quanto esse é bom, mas há tantos!! He he he he... Assim evitamos a repetição!! Um beijo...